Já faz um tempo que terminei de ler esse livro e queria escrever sobre
ele. Pelo título, eu nunca imaginaria se tratar de um romance sobre o
meio editorial. O crédito pela indicação e empréstimo do livro vai para o
sr. J. B., com quem trabalho.
Se eu pudesse escolher, só trabalharia com editores que gostam de ler e
leem. Não consigo levar muito a sério editores de livros que não leem.
O livro foi lançado no Brasil pela
editora Rocco em 1992, ou seja, há vinte anos, mas o conteúdo do romance
é muito atual, principalmente a questão da venda de direitos autorais
para outros países, que movimenta muito dinheiro. Para quem não sabe,
funciona assim: a editora que publica um livro detém os direitos de
publicação no país de origem e, em geral, em todos os outros também, se
ele “estoura” e vira best-seller (ou mesmo antes, dependendo da
reputação do autor), editoras de outros países querem publicar, então é
preciso negociar: por quanto a editora venderá os direitos de
publicação? Depois da negociação - às vezes envolvendo várias editoras
que querem publicar a tradução -, a editora estrangeira paga um
adiantamento e, posteriormente, mais uma porcentagem de acordo com a
venda dos livros, sendo que uma parte disso a editora “original” repassa
para o autor. Por exemplo, o acordo é fechado em R$ 50 mil (estou
chutando um valor para um livro best-seller) em adiantamento; quando a
editora atinge a marca de X exemplares vendidos e esses R$ 50 mil já
tiverem sido quitados em vendas, a editora passa a pagar uma porcentagem
sobre a venda semestral ou anual dos livros, dependendo do que foi
acordado. Enfim, fiquei surpresa de saber que isso já existia nos anos
90, e provavelmente existiu desde sempre!
O Romance é dividido em quatro partes, narradas em primeira pessoa pelos seguintes personagens:
1. O escritor – Lukas Yoder
2. A editora de texto – Yvonne Marmelle
3. O crítico – Karl Streibert
4. A leitora – Jane Garland
Lukas Yoder é o escritor que escreve romances baseados na cultura e nos
costumes de uma comunidade de imigrantes alemães do Estado da
Pensilvânia, nos Estados Unidos; ele fracassa em venda nos primeiros
trabalhos, mas com a ajuda da editora Yvonne Marmelle, consegue atingir o
sucesso depois de anos de persistência. Sua esposa o apoia e sempre
apoiou – foi ela quem trabalhou como professora para sustentar a casa
enquanto ele escrevia.
Yvonne Marmelle começou a gostar de ler ao ser incentivada por um tio,
ainda criança. Teve de deixar a faculdade depois do primeiro ano, pois o
pai perdeu o emprego e ela precisava trabalhar e ajudar a pagar as
contas da casa. Foi encaminhada pelo pai para trabalhar em uma fábrica,
mas, ao chegar no bairro onde a tal fábrica funcionava, decidiu que não
era aquilo que ela queria para a vida dela e se dirigiu para Avenida
Madison, em Nova York, onde funcionavam (talvez ainda funcionem?) várias
editoras de livros. Lá ela conseguiu um emprego de datilógrafa na
editora Kinetic, onde foi crescendo, até se tornar editora. Na vida
pessoal, ela tem uma história interessante com um escritor meio
vagabundo, que se acha um escritor maravilhoso, mas que não consegue
escrever nada, fica lendo jornal e bebendo enquanto Yvonne se mata de
trabalhar na editora.
Karl Streibert é o crítico de “alta literatura” e professor
universitário, discípulo de um famoso professor britânico, com quem tem
um affair [na verdade, é mais que isso, é uma ligação de “amor
intelectual”], que luta para escrever um romance, enquanto descobre
talentos literários entre seus alunos. Na vida pessoal, seu mentor morre
de Aids, e, na vida profissional, ele aceita o fato de não ser um bom
escritor, embora consiga fazer análises brilhantes do trabalho de outras
pessoas.
Jane Garland é a leitora cujo neto escreve brilhantes manuscritos. Ela é
viúva e, com a herança que o marido milionário deixou, ajuda a
patrocinar atividades na faculdade onde Karl Streibert leciona e
atividades culturais em geral para a comunidade da cidade onde mora.
Leitora ávida, gosta dos romances de Lukas Yoder, com quem tem contato
pessoal, mas o neto defende que eles não têm qualidade – visão
compartilhada por Streibert.
Capa do livro em inglês. Achei por R$ 5,50 na Estante Virtual!
Em meio a tramas pessoais e profissionais dos protagonistas, vários
detalhes do meio editorial são revelados: a questão da venda de direitos
autorais, como já citei; o trabalho de seleção de original para
publicação e acompanhamento do texto durante a produção do livro (Yvonne
Marmelle indica vários pontos a ser melhorados nos romances de Yoder e
ele trabalha com afinco neles); best-sellers de qualidade duvidosa
precisam ser publicados, pois sustentam financeiramente a editora (como
as pessoas compram muito, a editora arrecada um bom lucro e pode
investir em novos, e talvez melhores, autores); a dificuldade para
lançar livros e sobreviver sendo autor; o poder da crítica, que pode
tanto alavancar a carreira de um escritor como destrui-la; a compra de
editoras pequenas por grandes conglomerados editoriais multinacionais
(isso já acontecia no começo dos anos 90!, fiquei muito surpresa), entre
várias outras questões.
Leitura obrigatória para quem trabalha no meio!
Agora estou lendo, entre vários outros (porque não consigo ler só um de cada vez, é muita hiperatividade mental...), Ser Feliz®,
do canadense Will Ferguson, sobre um editor que lança um livro de
autoajuda que vira best-seller: todos mudam radicalmente para melhor e o
que importa é ser feliz e fazer do mundo um lugar melhor para todos. É
de um sarcasmo fenomenal. Depois escreverei sobre ele aqui, mas já deixo
a dica.
Publicado originalmente em 26/08/2012 aqui.
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